terça-feira, março 21, 2006

Jardim do Astro


Jardim do Astro tirada com o telemovel.

Astronomicamente a Primavera começou ontem, 20 de Março, pelas 18h 26m do fuso horário de Lisboa (que por acaso corresponde à hora em Portugal continetal http://www.oal.ul.pt/index.php?link=dados2006#). Ou seja, a partir desta data o Sol vai estar sempre a nascer cada vez mais para norte a cada dia que passa até ao pico do Verão (21 de Junho) e os dias cada vez maiores e as noites mais pequeninas. Mas para a grande maioria de nós a Prima-Vêra começou mesmo hoje. E como a este dia também se imiscuiu o Dia Mundial da Poesia, juntei tudo num alguidar cá de casa e amassei a mistela como pude. E o prato hoje é:


Introdução

No dia da poesia peguei em mim e nas palavras,
Juntei a primavera às flores de pétalas rosadas
E pisei tudo com muita força até as pernas ficarem cansadas.

No chão não cresceu arvore, frutos ou poesia
O que quer que ali estivesse só morria,
Definhava lentamente como a noite em dia.

Era uma poça verde sem sangue
Mistura perigosa de um sonhador
Era seiva deste mundo cheio de vida
Era o teu suor de lutador,
Que escorria.



Nasceu Primavera


Hoje nascia a Primavera esburacando pela terra,
Hoje nascia Sebastian Bach cavando com uma pá.
Ela era estação,
Ele compositor sem batuta na mão.
E no mesmo dia germinaram as suas sementes
Da arvore do paraíso onde murava uma serpente
E juntos fizeram uma musica infernal
Que se ouviu pelo espaço durante um tempo enorme, descomunal.

Na igreja ele tocava o cravo
Lá fora ela tocava borboletas, flores, chilreares.

E assim o mundo fico perfeito
Havia musica, e o que estava por fazer
Havia sido feito.


(21/3/2006)

domingo, março 12, 2006

Crónica

Encontro com máquinas

Todo o início do mês há o ritual de comprar aqueles pequenos papelinhos que me permitem circular livremente pelos transportes públicos. Das filas frente à bilheteira da estação passei para o rápido atendimento frente a uma máquina . Não há uma cara mal disposta a atender-nos mas também não há um sorriso a receber-nos. A máquina olha para mim indiferente à minha cor de pele, sem preconceitos pelo meu aspecto, insensível ao meu tom de voz que não tenho que lhe dirigir. A máquina está ali para me servir tal como um ser humano, com a diferença de que para a convencer não preciso de abrir a boca e entoar palavras cordeais. Tenho sim é que lhe tocar, pôr-lhe os dedos nos botões certos, pressiona-los com a pressão adequada e, claro, pagar-lhe pelo serviço desejado. Não há respostas mal humoradas ou palavras arrogantes, mas tão só o arranhar dos motores eléctricos nas engrenagens, o esfregar das molas a estender e distender, o roçar do papel pelos cilindros preste a sair pela fenda dos bilhetes. Só ruídos mecânicos, programados pela imaginação do homem. Marquei o destino, marquei o tipo de bilhete e a máquina pediu-me os seus 32 euros e mais uns cêntimos. A minha primeira nota de 20 passou pela goela da máquina sem sobressaltos. Mas a minha outra nota de 20 foram as tormentas. Enfiei o valioso papel na boca da máquina e após a identificação óptica da nota, após os pequenos cálculos do sistema de processamento sobre o dinheiro que me devia ser restituído, a maldita máquina, calculou!! que o meu dinheiro lhe era desfavorável e sem parcimónias, vomitou-o de volta. Tentei passar a nota uma segunda vez. E a reposta foi a mesma. Passei uma terceira e a nota voltou a ser cuspida. cancelei a operação e reavi o dinheiro que tinha sido aceite. Voltei-me para trás para ver se havia fila. Ninguém. E com duvidas sobre a abnegação da máquina ao meu dinheiro resolvi tentar mais uma vez invertendo desta a ordem das notas. A que tinha ficado anteriormente de fora foi aceite mas a segunda não voltou a passar. A máquina estava decididamente sem troco para me dar. Mas atrás de mim já estavam duas pessoas aguardando a sua vez e o comboio já se ouvia aproximar. Hesitei e revistei a carteira. Ou tinha mais dinheiro ou desta ficava em terra. Já lá estavam vinte e faltavam 12. Encontrei uma nota de 5 e sentia o peso das moedas na pequena bolsa da carteira e o comboio já apitava na estação. Tinha que me decidir, o tempo corria sobre carris. Olhei rapidamente as moedas que tinha e fiz uma estimativa, um calculo a muito grosso modo. Senti confiança entre aquelas moedas e arrisquei. Pus-me desenfreadamente a por moedas lá para dentro. Enquanto isso o comboio ia lentamente parando na estação e as pessoas juntavam-se aprumadinhas como pequenos molhes de feijão verde juntos das portas que a dado momento abririam. Eu olhava as moedas a desaparecerem da carteira e o contador monetário da máquina a decrescer: 2 euros, 1,50 €, 1€ e já só tinha moedas de 10 e 5 cêntimos. As portas já se haviam aberto e as pessoas entravam. Cheguei à minha ultima moeda e o contador da máquina ainda dizia faltarem 20 cêntimos. E eu que chegara tão perto. E eu que apostara na decisão errada. E a máquina que não me podia quebrar aquele galo, não me ia fazer um desconto e perdoar-me uma falha do tamanho de vinte cêntimos. Virei-me então para o senhor atrás de mim, que impacientemente agitava na mão as moedas para o seu bilhete. Dedilhava com o polegar moedas douradas e zincadas e também ele tinha cara de quem queria apanhar aquele comboio. Olhei-o nos olhos, rosto de quem já passara a casa dos 40 e, pedi-lhe, nos modos menos desesperosos que me eram possíveis de transmitir naquele momento, por 20 cêntimos que me emprestasse para nunca mais reaver. Esticou-me a moeda enquanto as pessoas entravam nas carruagens. Recebi-a com um muito obrigado e passei-a por aquela ranhura tão escrupulosamente desenhada, a espessura dava para acomodar até à mais gorda das moedas, o entalhe côncavo para acomodar o dedo polegar que empurrava a moeda para o interior daquele mealheiro calculista. Pormenores ergonómicos para que a transação decorra da forma mais cómoda e natural. A moeda cai. O sistema eléctrico da máquina entra em actividade. Zum, zum. O meu pedido é finalmente processado. Saco o bilhete. Oblitero-o numa outra máquina ali mesmo ao lado, uma representante mais pequena e compacta do modelo que me vendeu o bilhete. A ultima pessoa entra na carruagem e o comboio apita para partir. Eu sigo atras dela, e sem dar oportunidade de que a porta se feche carrego no botão verde de abrir. Já dentro do comboio volto a pressionar o botão de abertura, o tempo suficiente para que o senhor que me emprestou os 20 cêntimos consiga entrar na mesma carruagem, e em dois segundos as portas fecham. O senhor apressa-se no corredor por entre a multidão de passageiros, com o seu casaco castanho oscilante, até os meus olhos o deixarem de ver. E perco-o de mira.
Até quando lhe ficarei eu a dever aqueles 20 cêntimos? Talvez até à próxima vez que encontre alguém que precise de dinheiro para comprar um bilhete de comboio. Sobre os carris as rodas estavam já em movimento.

(2/3/2006)

quinta-feira, março 02, 2006

Fui Criança

Lá longe, no autocarro para onde eu ia
Olhava a paisagem e pensava
Se alguma vez sozinho lá chegaria.

***

Corríamos pequenos lado a lado
Metidos nos nossos fatos disfarçados
Feitos crianças de verdade e adultos de fantasia.
Tu de azul fada madrinha
Segurando na mão a varinha,
Eu cowboy com boné de aviador
De pistola a girar no indicador.

Corríamos pela escola lado a lado
Rindo por detrás das nossas mascaras disfarçados
Brincando com serpentinas amarelas, verdes, vermelhas de fantasia
E para onde tu seguias
Eu não parava e também ia.

***

Eram quinze minutos, um intervalo só,
Saiamos para o recreio de folhas nas mãos
E juntos escrevíamos, expandíamos a imaginação.

Aparecia um novo livro e logo corríamos
A descobrir aquele que era,
A historia que oferecia,
Os segredos que escondia,
A aventura que queríamos.
As palavras eram poucas
Saídas de uma imaginação louca
Mas de uma realidade tão grande
Que ao ler em alta voz umas tantas
Sonhávamos sonhando em sonhos de sonho.

***

"Fujam...!"
E corríamos.
Deixámos para trás as pedras
E toda a quinta vazia,
Pois os limões já cá cantavam
Enrolados na camisa.
O muro calcário agora distante
Era Colunas de Hércules
Cabo da Boa Esperança,
Suor e risos de pequenos Bartolomeus
Que atravessavam agora o rio sujo, cagado de pneus.
O sumo em suor
De um bando de pirralhos
Que procuravam liberdade
Em aventuras picantes como alho.

***

Apanhei-a com a mão
E apertei-a entre os dedos,
A minha prisioneira
A minha mosca varejeira.
Lá de dentro piava
"Deixa-me sair, quero liberdade"
E eu mais apertei
Para lhe sentir o medo
O zumbir zumbiteiro.
Com a outra mão a apanhei,
Agarrei-a pelas asas e assim as separei.
E ela sem elas andou pelo chão,
Em quatro patas feita um cão,
Pobre mosca varejeira,
Sem asa, sem lar, sem beira,
Já não era mosca, por isso pisei-a.

(5/6/2005)