quinta-feira, março 02, 2006

Fui Criança

Lá longe, no autocarro para onde eu ia
Olhava a paisagem e pensava
Se alguma vez sozinho lá chegaria.

***

Corríamos pequenos lado a lado
Metidos nos nossos fatos disfarçados
Feitos crianças de verdade e adultos de fantasia.
Tu de azul fada madrinha
Segurando na mão a varinha,
Eu cowboy com boné de aviador
De pistola a girar no indicador.

Corríamos pela escola lado a lado
Rindo por detrás das nossas mascaras disfarçados
Brincando com serpentinas amarelas, verdes, vermelhas de fantasia
E para onde tu seguias
Eu não parava e também ia.

***

Eram quinze minutos, um intervalo só,
Saiamos para o recreio de folhas nas mãos
E juntos escrevíamos, expandíamos a imaginação.

Aparecia um novo livro e logo corríamos
A descobrir aquele que era,
A historia que oferecia,
Os segredos que escondia,
A aventura que queríamos.
As palavras eram poucas
Saídas de uma imaginação louca
Mas de uma realidade tão grande
Que ao ler em alta voz umas tantas
Sonhávamos sonhando em sonhos de sonho.

***

"Fujam...!"
E corríamos.
Deixámos para trás as pedras
E toda a quinta vazia,
Pois os limões já cá cantavam
Enrolados na camisa.
O muro calcário agora distante
Era Colunas de Hércules
Cabo da Boa Esperança,
Suor e risos de pequenos Bartolomeus
Que atravessavam agora o rio sujo, cagado de pneus.
O sumo em suor
De um bando de pirralhos
Que procuravam liberdade
Em aventuras picantes como alho.

***

Apanhei-a com a mão
E apertei-a entre os dedos,
A minha prisioneira
A minha mosca varejeira.
Lá de dentro piava
"Deixa-me sair, quero liberdade"
E eu mais apertei
Para lhe sentir o medo
O zumbir zumbiteiro.
Com a outra mão a apanhei,
Agarrei-a pelas asas e assim as separei.
E ela sem elas andou pelo chão,
Em quatro patas feita um cão,
Pobre mosca varejeira,
Sem asa, sem lar, sem beira,
Já não era mosca, por isso pisei-a.

(5/6/2005)