Na estação
Piso os sapatos e os sapatos pisão o chão
Os pés estão acordados e os olhos que dormem ardem dentro de uma bola de sabão.
Espero eu de pé,
E como eu de pé, esperam outros na estação.
Tarda a hora e tardam as rodas do transporte camião.
A pele aperta-se, as rugas crescem e bate mais depressa o coração,
O pescoço estica-se, os olhos piscam e esfregam-se as mãos.
Nesta fila espera-se por um camião,
Como à entrada de um cemitério para que chegue o caixão.
Mas chega.
E chega o desabafo o sorriso e a rectidão,
Vamos entrar direitos, para a casa chegar a tempo do serão.
E entro como tantas outras vezes, de olhos do tecto ao chão,
Ergo a cabeça para um lugar vago, limpo, a cheirar a sabão.
Sentado vou embora, fujo da estação.
Deixo passar o tempo fixando folhas cheias de palavras chavão,
Distraiu-me nas ideias dos outros, de dor e paixão,
E tropeças tu, em mim, discretamente, sem me passares cartão,
Esgazeada, célere, fugindo para o canto como uma criança que corre para o sótão.
E deixas-te dormir, cansada, esgotada, cruzando as mangas bem no peito apertadas,
Fechas os olhos e a mente da canzoada,
E és minha agora, na ausência despertada.
(2/11/2005)
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