As palavras surgem rasgadas pela língua e comprimidas por entre os dentes. Saem sonoramente presas pela garganta num abrasão de ar que as convoca à vontade do emissor. As regras estão perdidas no interior do ente transmissor e projectam-se para fora do indivíduo por uma transcendente força nervosa, electrizada por nano impulsos treinados por uma experiência acribia patriarcal.
Escrever corrói o pulso e as falanges. Os tendões apertam-se no esforço dos músculos que mantêm a clareza da vontade cerebral. É preciso manifestar as palavras que se ocultam em estratos dermatológicos de células nervosas. É preciso descamar essa dissemia incongruente de significados e signos, que se atropelam na auto-estrada da razão e ordena-los, dar-lhes um sentido, chama-los ao seu real valor e interesse de emblemas da realidade mental. É como tirar coelhos duma cartola e sempre sair um coelho branco; mas um coelho é um coelho e tem uma personalidade, uma experiência única, uma vida especial que o moldou. Não é só de pelo branco.
O perigo reside nos signos e nos seus significados. Duas colheres cruzadas sobre uma mesa prateada; Um espelho ao sol com um X no centro desenhado; uma roseira que dá rosas negras e brancas, em que as negras têm cheiro e as brancas não. É um mundo cheio de marcas com múltiplos significados para múltiplos observadores. Cada um vê, lê, interpreta como pode o que lhe chega aos sentidos. Os filtros são seis: os sentidos e a intuição (ou experiência acumulada).
Abre um buraco e enfia lá a cabeça e o que tudo ela contem.
Abre uma cova bem funda e enterra-te bem no interior, escuro e isolado.
Para que as almas te não toquem, para que os inquietos não te perturbem,
Para que os fantoches não se riam, para que o mundo se esqueça de ti.
Para que o mundo se esqueça de ti.
Para que o mundo se esqueça de ti.
Para que o mundo se esqueça de ti.
Para que se esqueça,
Para todo o mundo se esquecer,
Para que não mais se volte a lembrar.
E então, é do esquecimento que te lembrarás e acordarás,
E da ausência surgirás como a água que há muito tempo caiu e pelo chão se infiltrou,
A ave que se auto inflama, arde e cai na forma de cinzas que o vento leva,
Para que ao sentir uma nova fogueira apagada ela de lá saltar, renascer e voltar.
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