Uma manhã
Uma manhã.
Recolhi-me à estação e sentei-me apertando as mãos enluvadas num livro quando a dois passos de mim, correndo da chuva, os meus olhos reconheceram-na. Parece ter sempre um ar distante, sempre semi ausente, o seu rosto constante como o de uma estatua, transmitindo-me uma cortina de ferro para as suas lutas interiores. Mas ela estava ali, como já disse, a dois passos de mim, e eu pousei o livro no colo e esticando-me no banco puxei-lhe a manga do casaco com um dedo. Ela olhou para mim e reconheceu-me como quando se abrigara ali na paragem e reconhecendo-me nada me dissera por eu não estar naquele momento a olhar para ela. E como que bruscamente acordada da sua letargia lançou-se sobre mim bruscamente num tal estado de euforia e cumprimentou-me, pachorrentamente, com dois beijos no rosto. O seu cabelo molhado, fresco da chuva ou de um banho matinal de segunda feira, roçou pela minha cara. Primeiro na face direita, depois pela face esquerda. Os olhos que nos estivessem a ver pensariam que eles apenas se conhecem, que ele só a cumprimentou por que ela era uma ela e que assunto nenhum teriam já em comum pois, ela permaneceu de pé e ele deixou-se sentado, mesmo depois de a ter convidado a sentar. Os olhares perderam-se por outras paisagens que não eles mesmos, e o silencio de ambos falou mais alto que todas as saudações, que todas as perguntas de «como estas».
A manha estava fria e não havia necessidade de a aquecer. E tal como se encontraram da separação pouco se notou, fluiu natural e, seguiram os seus caminhos, não indiferentes mas tão só apenas não os mesmos caminhos que os aproximaram.
(21-02-2006)
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