domingo, fevereiro 26, 2006

Esta semana - Publicidade em toda a parte

Esta semana - publicidade

Esta semana começou com um leve amargo de impotência perante a vida, um sentimento de insatisfação perante o que faço. Quando nada de materialmente produtivo faço acabo por sentir aquela pequena revolta sobre quem sou. Estudar tem dessas coisas, mas acaba por ser bom, ajuda a reconstruir-me. E na segunda feira à tarde enquanto vinha no metro e, os meus colegas haviam saído na estação anterior, deixei-me estar ali, a observar. A observar os outros e a observar-me a mim. E naquela carruagem renasceu uma antiga ideia, um antigo ódio, daqueles em que os factos diários acumulados nos vão entupindo o raciocínio e os sentidos. Publicidade descarada, que como bandeirolas em dia de festa, estavam presas ao tecto da carruagem de metro. Pus-me a examinar o mecanismo que as prendia, passei uma mão pelo papel colorido e senti-lhe a textura. Comecei a pensar no porquê daquilo ali estar, de me deixar olhar para aquelas folhas e não estar a olhar para uma imagem de uma qualquer paisagem, de um qualquer quadro famoso, de um desenho de um artista anónimo. Lembrei-me de tudo um pouco com que se pode decorar uma parede, menos com uma imagem de publicidade. E tive vontade de arrancar aquelas folhas todas por ali afixadas, de testar a sua resistência ao meu desejo de destruição. Mas saí na próxima estação e por aquele dia a coisa passou. No dia seguinte, ontem, há mesma hora comentei a ideia com o meu grupo de colegas do costume e, à noite antes de dormir aquela ideia esperneou pelo meu espirito inquietando-me o sono, atormentando-me a vontade de dormir.

«Publicidade por todo o lado; publicidade na estrada, publicidade na estação de comboios muito bem emoldurada ao abrigo da intempérie, publicidade nos jornais, publicidade à saída da estação, publicidade nas carruagens do metro, publicidade na roupa, na televisão, na Internet. Mas que raio? Gigantes ecrãs a cores nas avenidas e cruzamentos debitando publicidade; publicidade nas fachadas dos prédios, nas varandas, nas janelas, até tatuada na pele e nas unhas. Tudo ou todos a informarem-me dos produtos que posso comprar. Todos os recantos nus ou de cores monótonas são preenchidos pelas cores berrantes da publicidade. Qualquer sítio por onde passem mais de dez pessoas por cada quarto de hora tem algum tipo de publicidade.» E procurei encontrar todo o tipo de argumentos que rebaixassem a honrosa presença da publicidade no meu dia a dia. E algures entre estes pensamentos lá adormeci.

Mas foi só no dia seguinte, ou seja hoje, quando me enfiava novamente na carruagem de metro que tive uma estranha sensação de premeditação, de "deseja, que logo pode acontecer". Naquela carruagem, outras cabeças que não a minha, outras mãos que não as minhas, pareceram ter tido a mesma ideia que eu tivera uns dias antes pois, e sem contemplações, arrancaram e rasgaram todas as folhas de publicidade da carruagem. Ao repararmos no detalhe eu e os meus colegas descaímos em risos. Coincidências? O certo é que a minha ideia deixou de ser original e perdi-lhe o interesse. Tenho que ter cuidado para não pensar com tanta força. É que pode acontecer.

(22-2-2006)