segunda-feira, maio 07, 2007

À Conversa Com...

- Você é poeta?

- Quem, eu? Acha-me um poeta?

- Pois você, quem mais está aqui? E segundo os meus padrões de leitura aquilo que escreve é chamado de ‘poesia’.

- Acha mesmo que sim, que aquilo que eu escrevo é poesia?

- Eu acho. Afinal de contas até rima e tudo. Já vi gajos dizerem-se poetas e escreverem coisas na forma de curtas frases, como na poesia, mas que nunca conseguiam rimar palavra nenhuma. E desses eu não gosto nada. Para mim a poesia tem de rimar...

- Mas olhe que existe muita boa poesia que não rima. Por que é que acha que a poesia deve rimar?

- Não sei muito bem explicar, mas se a coisa não rimar não parece tão bonito, não soa tão bem. É como estar a ouvir a Madona cantar comparada com o meu professor de ciências a dar uma palestra sobre o funcionamento do corpo humano.

- Mas que bem. Afinal você também tem uma veia poética.

- Eu? Mas porquê?

- Ora então não se recorda do que disse? Acabou de comparar a Madona a cantar com o seu professor de ciências a dar uma palestra. Já viu a imagem que criou? Eu cá adorei. Essa sua comparação penetrou fundo em mim pois consegui rapidamente imaginar a Madona a cantar e ver no mesmo palco, ao lado da Madona, o seu professor de ciências a recitar uma palestra. Essa é uma das características da boa poesia. Tocar forte e depressa no leitor com o menor numero possível de palavras. A rima é um acessório, serve para estimular a sensibilidade auditiva e influenciar a imaginação de quem lê. Se bem dirigida, dá uma força, ou um impulso extra ao poema.

- Então concorda comigo. A boa poesia tem que rimar. Eu sabia...

- Não é a rima aquilo de que falo. É a sonoridade, é o paladar sonoro das palavras que lemos mentalmente. É o som das palavras no local certo com a imagem certa que refinam e aumentam o choque do poema sobre o leitor. E é esse choque que o poema dá ao leitor que torna o poema belo ou não.

- Sinceramente nunca tinha visto a rima nesse aspecto como agora me conta. Então que função tem a rima?

- Que é a rima? Ora observe você mesmo. Já viu como é que aparece disposta a rima? Ás vezes só os versos impares rimam, outras só os versos pares de um poema. Outras há que versos pares e impares rimam, outras só rimam o primeiro verso por cada conjunto de dois versos e por ai fora. As sequências possíveis são muitas. É àquilo a que os linguistas chamam de métrica. Os Lusíadas tem várias métricas ao longo de cada canto, a Mensagem tem outras variantes métricas e muita outra poesia que rima tem métrica. Mas rimar nem sempre fica bem. Nem sempre exprime o que o autor deseja transmitir. A regra de que um poema deve rimar vai contra a própria ideia do sentido da poesia.

- Há vai? Então o que é a poesia?

- A poesia é aquilo que os poetas escrevem.

- Então e quando um poeta escreve uma carta à tia para lhe pedir um quilo de carne de vaca pela Páscoa? Essa carta também é poesia?

- Você gosta mesmo de fazer perguntas complicadas.

- Por acaso até gosto, faz parte da minha profissão, sabe?

- Sei pois. Por isso é que aceitei o seu convite para aqui vir. Se fosse para mais uma daquelas entrevistas aborrecidíssimas sobre o porque escrevi isto e porque escrevi aquilo... não teria vindo. (risos)

(...e a conversa continuou noite fora ao sabor de pevides salgadas e bebidas variadas...)

1 Comments:

At 2:39 da tarde, Blogger Iris Restolho said...

É como os antigos dizem:"De poeta e louco, todos temos um pouco!"

Eu sempre achei que as palavras têm peso próprio e como tal, encerram em si mesmo toda a beleza, a raiva e o sentimento com que foram criadas. Os escritores e os poetas são apenas aqueles que com arte as juntam da melhor forma!

 

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