quinta-feira, setembro 06, 2012

Esta Questão da Cultura - O Significado da Educação

Este é o primeiro capitulo traduzido com a ajuda do Google Translator ToolKit que tornou o processo de tradução mais produtivo, rápido e divertido... :-D
A tradução é da minha autoria e foi feita com base nos textos em ingles do site http://www.jiddu-krishnamurti.net/ 
Qualquer comentario ou correcção/ sugestão é bem vindo. ;-)




Por Jiddu Krishnamurti

Pensar Sobre Estas Coisas
Esta Questão da Cultura

Capítulo 1 - O Significado da Educação

 Pergunto-me se alguma vez nos perguntámos o que significa educação. Por que é que vamos à escola, por que é que aprendemos diversos assuntos, porque é que passamos por exames e competimos uns com os outros pelas melhores notas? O que é que significa esta chamada educação, e do que é que trata? Esta é realmente uma questão muito importante, não apenas para os alunos, mas também para os pais, para os professores, e para todos aqueles que amam esta terra. Por que é que passamos por este esforço de sermos educados? É simplesmente para passar alguns exames e arranjar um emprego? Ou é a função da educação preparar-nos enquanto ainda somos jovens para compreender todo o processo da vida? Ter um emprego e ganhar a vida é necessário - mas é tudo o que há? Será que estamos a ser educados apenas para isso? 



Certamente, a vida não é apenas um emprego, uma ocupação, a vida é algo extraordinariamente amplo e profundo, é um grande mistério, um vasto campo em que funcionamos como seres humanos. Se apenas nos preparamos para ganhar a vida, vamos perder todo o sentido da vida; e entender a vida é muito mais importante do que simplesmente preparar-nos para exames e sermos muito bons em matemática, física, ou o que seja. Então, quer sejamos professores ou alunos, não é importante perguntar a nós mesmos porque estamos a educar ou sendo educados? E qual é o significado da vida? Não é a vida uma coisa extraordinária? Os pássaros, as flores, as árvores a crescer, o céu, as estrelas, os rios e neles os peixes - tudo isto é vida. A vida é o pobre e o rico, a vida é uma batalha constante entre grupos, raças e nações, a vida é meditação, a vida é o que chamamos de religião, e é também as subtis, ocultas coisas da mente - as invejas, as ambições, as paixões, os medos, as realizações e ansiedades. Tudo isso e muito mais é a vida. Mas geralmente preparamos-nos apenas para compreender um dos seus pequenos recantos. Passamos certos exames, encontramos um emprego, casamos, temos filhos, e então tornamos-nos mais e mais como máquinas. Permanecemos com medo, ansiosos, com medo da vida. Então, é função da educação ajudar-nos a entender todo o processo da vida, ou é simplesmente para nos preparar para uma vocação, para o melhor trabalho que conseguirmos encontrar? O que vai acontecer a todos nós quando crescermos para sermos homens e mulheres?

Vocês já se perguntaram o que vão fazer quando crescerem? Com toda a probabilidade vão-se casar, e antes que saibam onde estão, vocês serão mães e pais; e então vão estar amarrados a um emprego, ou à cozinha, em que gradualmente vão desaparecer. É tudo isto o que a vossa vida será? Já alguma vez puseram a vós mesmos esta questão? Não deveriam vocês coloca-la? Se a vossa família é rica poderão já ter garantida uma posição bastante boa, o vosso pai pode dar-vos um emprego confortável, ou vocês poderão ficar bem casados, mas também ai irão decair, deteriorar. Estão a ver? Certamente, a educação não tem significado algum a menos que vos ajude a compreender a vastidão da vida com todas as suas subtilezas, as suas extraordinárias belezas, as suas tristezas e alegrias. Poderão adquirir graus, poderão ter uma série de palavras depois do vosso nome e conseguir um emprego muito bom, mas e depois? Qual é o objectivo de tudo isto se no processo a vossa mente se tornar embotada, exausta, estúpida? Então, enquanto sois jovens, não deveis procurar descobrir o que é a vida? E não é a verdadeira função da educação cultivar em vós a inteligência que irá tentar encontrar a resposta para todos esses problemas?

Sabeis o que é inteligência? É a capacidade, certamente, de pensar livremente, sem medo, sem uma fórmula, de modo que comessem a descobrir por vocês mesmos o que é real, o que é verdade, mas se estiverem com medo nunca serão inteligentes. Qualquer forma de ambição, espiritual ou mundana, gera ansiedade, medo; portanto a ambição não ajuda a criar uma mente que é clara, simples, direta e, portanto, inteligente. Sabem, é realmente muito importante, enquanto somos jovens viver num ambiente no qual não há medo. A maioria de nós, à medida que envelhece, torna-se assustado, temos medo de viver, medo de perder o emprego, medo da tradição, medo daquilo que os vizinhos, ou a esposa ou o marido irão falar, medo da morte. A maioria de nós tem medo de uma forma ou de outra, e onde há medo não há inteligência. E não é possível para todos nós, enquanto somos jovens, estar num ambiente onde não há medo, mas sim numa atmosfera de liberdade - a liberdade, não apenas para fazer o que gostamos, mas para entender todo o processo de viver? A vida é realmente muito bela, não é esta coisa feia que fizemos dela; e podemos apreciar a sua riqueza, a sua profundidade, a sua beleza extraordinária somente quando nos revoltamos contra tudo - contra a religião estabelecida, contra a tradição, contra os atuais podres da sociedade - para que vós como seres humanos possam descobrir por vós mesmos o que é verdadeiro. Não para imitar, mas para descobrir - isso é que é educação, ou não é?

É muito fácil conformarem-se com o que a vossa sociedade ou os vossos pais e professores vos dizem. Essa é uma maneira segura e fácil de existir, mas isso não é viver, porque nela existe medo, decadência, morte. Viver é descobrir por vós mesmos o que é a verdade, e apenas podeis fazê-lo quando há liberdade, quando há uma contínua revolução interiormente, dentro de vós mesmos. Mas não sois encorajados a fazer isso, ninguém vos diz para questionar, para descobrir por vós mesmos o que é Deus, porque se se rebelarem tornar-se-ão um perigo para tudo o que é falso. Os Vossos pais e a sociedade querem que vivam em segurança, e vós também quereis viver em segurança. Viver com segurança geralmente significa viver na imitação e, portanto, no medo. Certamente, a função da educação é ajudar cada um de nós a viver livremente e sem medo, não é? E para criar uma atmosfera na qual não há medo requer uma grande dose de reflexão da vossa parte, bem como por parte do professor, do educador. Sabeis o que isso significa - que coisa extraordinária que seria criar uma atmosfera na qual não há medo? E nós temos que criá-la, porque vemos que o mundo está preso em guerras intermináveis, que é guiado por políticos que estão sempre em busca de poder; é um mundo de advogados, policias e soldados, de homens e mulheres ambiciosos todos querendo posição e todos lutando entre si para obtê-la. Depois, há os chamados santos, os gurus religiosos com os seus seguidores, também eles querendo poder, posição, aqui ou na próxima vida. É um mundo louco, completamente confuso, em que o comunista está a lutar contra o capitalista, o socialista a resistir a ambos, e todo a gente está contra alguém, lutando para alcançar um lugar seguro, uma posição de poder ou de conforto.

O mundo está dividido por crenças conflituantes, por distinções de casta e de classe, por nacionalidades separatistas, por várias formas de estupidez e crueldade - e este é o mundo em que estais sendo educados para vos encaixardes. Sois encorajados a encaixar-vos no quadro desta sociedade desastrosa; os vossos pais querem que vocês o façam, e vocês também querem encaixarem-se nela. Agora, é a função da educação apenas ajudár-vos a estar em conformidade com o padrão podre desta ordem social, ou é dar-vos liberdade - liberdade para crescer e criar uma sociedade diferente, um mundo novo? Queremos ter esta liberdade, não no futuro, mas agora, caso contrário todos seremos destruídos. Temos de criar imediatamente uma atmosfera de liberdade para que possamos viver e descobrir por nós mesmos o que é verdadeiro, de modo que nos tornemos inteligentes, de modo que sejamos capazes de enfrentar o mundo e compreendê-lo, não apenas conformar-nos com ele, de modo que interiormente, profundamente, psicologicamente estejamos em constante revolta; porque só aqueles que estão em constante revolta descobrem o que é verdadeiro, não o homem que se conforma, que segue alguma tradição. É só quando estais em constante interrogação, em constante observação, aprendendo constantemente, que encontrareis a verdade, Deus, ou o amor; e não podeis investigar, observar, aprender, não podeis estar profundamente conscientes, se estais com medo. Assim, a função da educação, certamente, é erradicar, interiormente, bem como exteriormente, esse medo que destrói os pensamento humanos, as relações humanas e o amor.

 Pergunta: Se todos os indivíduos estivessem em revolta, você não acha que haveria o caos no mundo?

 Krishnamurti: Ouça primeiramente a questão, porque é muito importante entender a questão e não apenas esperar por uma resposta. A questão é: se todos os indivíduos estivessem em revolta, não estaria o mundo num caos? Mas está a sociedade atual, em tão perfeita ordem que o caos surgiria se o mundo inteiro se revoltasse contra ela? Não existe caos agora? Está tudo maravilhoso, não corrompido? Está toda a gente a viver feliz, plenamente, ricamente? Não está o homem contra o homem? Não existe ambição, competição cruel? Assim, o mundo já está num caos, isto é a primeira coisa a perceber. Não tomem como dado adquirido que esta é uma sociedade ordeira; não se hipnotizem com palavras. Quer aqui na Europa, na América ou na Rússia, o mundo está num processo de decadência. Se veem a decadência, têm um desafio: sois desafiados a encontrar uma maneira de resolver este problema urgente. E como respondem ao desafio é importante, não é? Se respondem como um hindu ou um budista, um cristão ou um comunista, então a vossa resposta é muito limitada - o que não é de todo uma resposta. Podem responder plenamente, de forma adequada somente se não há medo em vocês, se não pensam como um hindu, um comunista ou capitalista, mas como um ser humano total, que está a tentar resolver este problema, e não o podem resolver a menos que vocês mesmos estejam em revolta contra tudo isto, contra a ganância ambiciosa em que a sociedade se baseia. Quando vocês mesmos não são ambiciosos, não são gananciosos, não se agarrando a vossa própria segurança - só então podem responder ao desafio e criar um novo mundo.

 Pergunta: Revoltar-se, aprender, amar - são estes três processos separados, ou são simultâneos?

 Krishnamurti: É claro que eles não são três processos separados, são um único processo. Está a ver, é muito importante descobrir o que significa a pergunta. Esta pergunta é baseado na teoria, não na experiência, é apenas verbal, intelectual, portanto, não tem validade. Um homem que não tem medo, que está realmente revoltado, lutando para descobrir o que significa aprender, amar - tal homem não pergunta se é um processo ou se são três. Somos tão espertos com as palavras, que pensamos que ao oferecer explicações resolvemos o problema. Sabe o que significa aprender? Quando está realmente a aprender está a aprender ao longo de toda a vida e não há um professor especifico de quem aprender. Então, tudo o instruí - uma folha morta, uma ave em voo, um cheiro, uma lágrima, os ricos e os pobres, aqueles que estão a chorar, o sorriso de uma mulher, a altivez de um homem. Você aprende de tudo, portanto não há nenhum guia, nenhum filósofo, nenhum guru. A própria vida é o professor, e você está em constante estado de aprendizagem.

 Pergunta: É verdade que a sociedade é baseada na ganância e na ambição, mas se nós não tivermos qualquer ambição não decaímos?

 Krishnamurti: Essa é realmente uma questão muito importante, e precisa de muita atenção. Você sabe o que é atenção? Vamos descobrir. Numa sala de aula, quando olha para fora da janela ou puxa o cabelo a alguém, o professor diz-lhe para prestar atenção. O que significa o quê? Que você não está interessado no que está a estudar e por isso o professor obriga-o a prestar atenção - o que não é de todo atenção. A atenção surge quando você está profundamente interessado em algo, pois então gostaria de descobrir tudo sobre isso, então toda a sua mente, todo o seu ser está lá. Da mesma forma, no momento em que vê que esta questão - se não tivessemos ambição, não entraríamos em decadência? - É realmente muito importante, você está interessado e quer descobrir a verdade desta questão. Agora, não está o homem ambicioso a destruir-se a si mesmo? Esta é a primeira coisa a descobrir, não perguntar se a ambição é certa ou errada. Olhe ao seu redor, observe todas as pessoas que são ambiciosas. O que acontece quando você é ambicioso? Está a pensar em si mesmo, não é? É cruel, empurra as outras pessoas para o lado porque está a tentar cumprir a sua ambição, tentando tornar-se um grande homem, criando na sociedade o conflito entre aqueles que estão a ter sucesso e aqueles que estão a ficar para trás. Há uma batalha constante entre você e os outros que também estão atrás do que você quer; e é este conflito gerador de uma vida criativa? Percebe, ou é muito difícil? É você ambicioso quando gosta de fazer algo pelo seu próprio prazer de fazer? Quando está a fazer algo com todo o seu ser, não porque quer chegar a algum lado, ou ter mais lucro, ou melhores resultados, mas simplesmente porque você adora fazê-lo - nisso não há ambição, há? Nisso não há competição; você não está a lutar com mais ninguém pelo primeiro lugar. E não deverá a educação ajudá-lo a descobrir o que você realmente gosta de fazer de modo a que desde o início até o fim da vida esteja a trabalhar em algo que sente que vale a pena e que para si tem um profundo significado? Caso contrário, para o resto dos seus dias, será miserável. Não sabendo o que realmente quer fazer, a sua mente cai numa rotina em que há apenas o tédio, decadência e morte. É por isso que é muito importante descobrir enquanto é jovem o que é que você realmente gosta de fazer, e esta é a única maneira de se criar uma nova sociedade. Pergunta: Na Índia, como na maioria dos outros países, a educação está a ser controlada pelo governo. Sob tais circunstâncias, é possível realizar uma experiência do tipo que você descreve?

 Krishnamurti: Se não houvesse a ajuda do governo, seria possível para uma escola deste tipo sobreviver? Isto é o que este senhor está a perguntar. Ele vê que tudo pelo mundo está cada vez mais controlado pelos governos, pelos políticos, por pessoas com autoridade que querem moldar as nossas mentes e corações, que querem fazer-nos pensar de uma determinada maneira. Quer na Rússia ou em qualquer outro país, a tendência é do governo controlar a educação, e este senhor pergunta se é possível para uma escola do tipo de que eu estou a falar crescer sem ajuda do governo. Agora, o que diria? Sabe, se pensa que algo é importante, que algo vale realmente a pena, você entrega-se de coração, independentemente de governos e de éditos da sociedade - e então vai ter sucesso. Mas a maioria de nós não entrega os corações por nada, e é por isso que colocamos este tipo de questão. Se você e eu sentimos vivamente que um novo mundo pode desabrochar, quando cada um de nós se revoltar por completo, interiormente, psicologicamente, espiritualmente - então devemos dar os nossos corações, as nossas mentes, os nossos corpos para a criação de uma escola onde não haja tal coisa como o medo com todas as suas implicações. Senhor, qualquer coisa verdadeiramente revolucionária é criada por uns quantos que veem o que é a verdade e estão dispostos a viver de acordo com essa verdade; mas para descobrir o que é verdadeiro exige estar liberto da tradição, o que significa libertado de todos os medos.

sábado, fevereiro 26, 2011

O senhor Primeiro Ministro de Portugal - FRAGMENTOS LITERÁRIOS - 3

O senhor Mário de Oliveira, reformado da Função Publica, colocou o polegar sobre o Censor de Identificação Digital e aguardou pela confirmação do sistema. Dois segundos depois surgiu o seu número 18 328 514 de votante democrático da Republica Unida do Estado Semanal Português. Apareceram no visor alguns dados pessoais do seu utilizador e, pressionando o botão de “Seguinte”, entrou nas possíveis escolhas de votação. Passou os olhos por elas rapidamente e, com um ar inexpressivo por falta de um adjectivo que lhe correspondesse, seleccionou e confirmou a opção de “Decapitação Publica”.

O senhor Primeiro Ministro de Portugal olhou do seu lugar o ecrã das estatísticas do país que marcavam o seu destino para a próxima semana eleitoral. No gráfico de barras a opção de “Decapitação Publica” aparecia com uma votação de 85 em cem, seguida de “Castração” com os restantes 15% de votação. “Cortar dedo da mão”, “Oposição” e “Mais 1 Mandato” permaneciam nos 0%. Um enorme palavrão trovejou da boca do Primeiro Ministro que de imediato saltou da cadeira para reflectir na situação Nacional. Mas que maldade teria ele feito ao povo português durante esta semana? Lembrou-se que tinha visitado um lar de idosos para presos por violação e assassínio. Até chegou a dar de comer a uma velhinha de ascendência tibetana que lhe contou ter matado o marido com agulhas de acupunctura enquanto ele dormia enrolado numa estátua do Buda. Ciúmes, tinha ele concluído com um sorriso. Os repórteres estavam lá; gravaram tudo: as palavras de consolo e de promessas para a próxima semana eleitoral, os gestos afectados de quem nem sequer pode controlar e decidir o seu destino – afinal o povo português é exigente e difícil de se governar por qualquer um.
Ou quem sabe se não teria sido o seu discurso inflamado com o elemento do partido da oposição – afinal muita merda teve que ser dita para chamar os portugueses à razão - e talvez ele tenha ferido muitas sensibilidades acomodadas nos sofás. Lembrou-se que tinha defendido a posição de, logo no primeiro ano, meter na cabeça dos futuros cidadãos, o estudo intensivo de calculo numérico e de pelo menos duas línguas estrangeiras, com complementos de saúde humana, em particular a sexual. O seu opositor político refutou-lhe essa necessidade expressando a falta de tempo que isso iria originar nas criancinhas; que os pais começariam a sentir as suas ausências por mais de 4 horas fora de casa, e sobre os problemas psicológicos que poderiam afecta-las com estudos tão exagerados para uma idade tão precoce. O que no final exigiria uma total reformulação do ensino nas escolas e que para o espaço de mais uma semana presidencial seria um trabalho forçado para muitas directas.


O seu olhar voou para o relógio digital sobre a mesa, que marcava, em contagem decrescente, o final de mais um mandato eleitoral. E pelas quatro horas que faltavam para o bloqueio das urnas, parecia que aquele mandato, iria ser realmente, o seu laminar fim. Ficou a imaginar o seu substituto, o novo paspalhão que lhe iria ocupar o lugar. Afinal de contas qualquer um podia assumir o cargo de Primeiro Ministro, pois quem realmente estava sempre a mandar eram os dois únicos partidos políticos, e o cabecilha de cada um deles apenas um bobo da corte para a opinião eleitoral.
A política nacional tinha sido finalmente elevada ao estatuto de actividade pública de entretenimento das massas.

00:06... 00:05... 00:04...

00:03... 00:02... 00:01...


00:01... 00:01... 00:01... Sobre a retina do Primeiro Ministro os mesmos números gravavam-se e pareciam não querer mudar. O seu cérebro não conseguia ver mais o que se seguia. O tempo já não era aquele que o relógio marcava. Durante aquele teimoso segundo a sua percepção da realidade desvelou-se e apercebia-se que não poderia voltar atrás. A sala à volta do seu campo visual começou a ficar desfocada como que atingido por um glaucoma repentino e algumas lágrimas lacrimejaram-lhe pela face.
Da porta irromperam dois toques violentos de aviso seguidos por um homem vestido à pinguim com uma gravata amarela-dourada.
- Senhor Primeiro Ministro, o tempo urge. Estamos à sua espera para a conclusão de mais um mandato. Os cidadãos já decidiram. Temos que partir.
O Primeiro arrastou-se da cadeira com a visão deturpada em lágrimas que não conseguia explicar, e passando junto do seu interlocutor foi saudado com uma palmadinha nas costas cuja a palma da mão o acariciou até à linha da cintura.
Lá fora, junto ao portão, nas traseiras do palácio de São Bento, um carro demasiado vulgar movido a hidrocarbonetos esperava de motor ronronante como um gatinho que se afagasse carinhosamente.
O Primeiro Ministro atravessou o passeio de pedra envolto por relvado seguido do homem vestido de pinguim. A porta do Opel foi-lhe aberta e virando a cabeça para a grande casa parlamentar num definitivo adeus os seus olhos foram encontrar a galhardeada bandeira portuguesa que repousava encolhida ao sabor da ausência do vento. Enxugando um dos olhos meteu-se no interior do veiculo e alguém voltou a fechar-lhe a porta.

4 de Dezembro de 2004

sexta-feira, fevereiro 18, 2011

FRAGMENTOS LITERÁRIOS - 2

Uma conversa com o Todo Poderoso

Esta entrevista teve lugar num local não especificado, num tempo não determinado, pois afinal estamos a falar com o Deus.

- Omnipotente Deus, agradeço desde já a sua disponibilidade divina. Então começaria por Lhe perguntar qual é a visão que tem do mundo?
- Por favor trate-me só por Deus. Omnipotente é uma palavra muito forte. Pois o sentido humano que ela têm não é o mesmo que o sentido celeste que nós aqui lhe damos. Mas respondendo à sua pergunta directamente: a minha visão do mundo é total. Vejo tudo e todos. Nada me escapa.
- Uma questão muito discutida entre nós humanos é a da sua existência. Podia esclarecer-nos um pouco e tentar explicar aos leitores se você, Deus, existe realmente?
- Essa sua pergunta é realmente muito pertinente. Penso que é a primeira vez que me é dirigida directamente. Ora bem, como é que Eu, Deus, posso afirmar a minha própria existência, ou não existência, de forma a que você, e os seus leitores, fiquem convencidos? Está a pôr-me numa posição muito delicada. Então é assim: para aqueles que crêem na minha existência, Eu existo. Para os que não crêem, Eu simplesmente não existe. Não creio que exista outra forma de por as coisas. Realmente ambas as respostas estão correctas, pelo menos para vocês humanos. É claro.

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Escrever ou Nao Escrever - FRAGMENTOS LITERARIOS - 1

O meu grito de espanto, de admiração, de descoberta, por ter encontrado um autor já perdido, eu próprio.... AH.... 


E lá vai então a historia:
Andava eu a vasculhar no sarcófago do meu disco rígido quando começo a encontrar textos, pequenos textos perdidos, escritos num tempo em que também me sentia perdido, não é que hoje já nao me sinta perdido, ainda o sinto, mas aprendi melhor a viver com isso. Dizia eu, textos dispersos sobre temas vários, diabruras de quem queria aprender a escrever e muito pouco fez. E comecei a rele-los e a rir. E diverti-me. E a perguntar-me como alguma vez consegui escrever tais coisas. E visto esses textos já nao serem meus, ou melhor serem de um outro eu, que já lá vai, que já passou e que se foi perdendo lá atras no tempo, achei que estava na altura de tentar massacrar possíveis leitores, amigos, conhecidos, com esses textos, com aquelas pérolas baças da minha realidade ou da minha ignorância. Mundo digital, estes são os meus Fragmentos. Fragmentos, este é o mundo digital. Talvez alguém se consiga divertir com eles, como eu me diverti. E assim vai nascer o que vou chamar de Fragmentos Literários. Os meus fragmentos literários... Os fragmentos literários do Paulo Astro. ...AH...


FRAGMENTO LITERARIO - 1


Sabores

Há um sítio onde uma cortina de calor emanado das cozinhas se pode afastar com a mão ao passar pela porta. Há um sítio em que cada passo que se dá é saboreado pela liberdade de se caminhar para a mesa. Muitos entram anafando os estômagos vazios, muitos saem com as mãos a repousarem neles. Um corredor comprido e largo que dá acesso às cozinhas serve de pedestal para observar todas as cabeças embrenhadas em comer. Uns entram com pressa e saem mais devagar, outros entram com pressa e aceleram ainda mais ao sair. Eu entro como entro e saio como saio, saboreando os que saboreiam. Desfiles de tabuleiros, de talheres embrulhados, de comida quente alinhada escrupulosamente decorada. Os cheiros misturam-se, confundem-se, alimentam. Por detrás do balcão passeiam-se apressadas cozinheiras expeditas de taça numa mão, concha na outra, enchendo o apetite dos outros. Pelos rostos passeiam-se carrancas, sorrisos, riscos de cor, sombreados de rímel, bochechas coradas dos fogões ligados, testas franzidas de indecisas. Pratos muitos e gostos outros tantos. No centro do percurso tira-se o pão, seguido das saladas verdes, laranjas, brancas e nunca douradas. Nas doçuras que se seguem, sobremesas muito juntas e apertadas, a vontade é de a todas por a mão, não deixar nenhuma e regalar-me como um leão, e ao aproximar da caixa só resta o que beber, água cristalina ou encanada. Finalmente a ultima empregada recolhe o meu cartão, passa-o pela máquina, e tira o numero que o meu prato marca. “Obrigado”, por educação, por habito, pelos seus múltiplos significados ocultos nas emoções que despertam. Por que cai bem antes da digestão. E parto para o palco, de tabuleiro na mão, actor que vai comer, que escolhe cada passo de encontro ao chão. Olho à volta e escolho as caras, escolho uma mesa, escolho um lugar. Escolho mais uns passos, mais um piscar de olhos e uma direcção. E escolho caminhar. Chego. Pouso. Puxo. Sento-me. Na minha frente a comida e, de repente, sem a provar, já senti todo o seu sabor.

Paulo Astro.

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Felizes os Infelizes que Escrevem

"Felizes os Infelizes que Escrevem."

É esta a unica ideia que me ocurreu ao fim de um ano e meio de ausencia do meu blog (ausencia da minha blogoesfera?) 

Atingi a minha felicidade soprema, o pináculo do que é ser feliz. E as pessoas felizes NÃO precisão de escrever. Escrever para quê? Se está tudo bem não tenho motivos nenhuns para expressar a minha felicidade. A felicidade é lamechas, é cobarde. Ninguem dá atenção a peÇoas felizes, pois elas não precisam de atenção. Elas já são os seus próprios centros de atenção. Atenção para elas mesmas.

Repararam na palavra peçoa? Aposto que repararam. Posso sorrir pelo facto de me chamarem ignorante? Posso rir enquanto penso no vosso absurdo de eu ter transgredido uma norma ortográfica? Pois estou mesmo a rir-me... de si o leitor... :-)) Obrigado por Ler.

Mas só os infelizes é que podem escrever. Só os infelizes é que podem escrever BEM. Só a ira, a raiva, a insatisfação, são sentimentos dignos de quem escreve. Só estes sentimentos podem alimentar linhas e linhas de palavras valiosas, provocantes, perfurantes, aguçadas e afiadas pela língua de quem possa estar lá no fundo, encharcado na merda da vida, nesse estrume que fertiliza a aura do escritor, onde as sementes da ira germinam em textos dignos de serem lidos. O escritor mergulha nesse estrume, esfregasse nessa amalgama, perfuma-se com essa imundice e cria... cria todas e tantas palavras. Cria tantas e outras todas palavras, só com o minério do seu lápis, com os músculos da sua mão e a insatisfação do seu cérebro.

Por que me tornei um feliz, um tó-tó com a barriga da felicidade pendurada ao peito, deixei de conseguir escrever. Deixei de achar piada a este acto de revolta, insatisfação que habita os seres com um cérebro demasiado grande, onde cabe todo o género de tolices. E nessas tolices cujo nome pode começar por Religião ou por Ciência ou qualquer Filosofia, escondemos a nossa Mesquinha Ignorância. Mesquinha, sovina Ignorância, pois ela é só nossa e tanto medo temos de a partilhar e de a admitir.

E então e, hoje, estou feliz? Acho que despertei a infelicidade que se escondia em mim...

Já mais, em tempo algum, quero voltar a ser feliz... NUNCA!

quarta-feira, agosto 26, 2009

Amor e Ponto Final

Ele há livros que nos tocam de alguma maneira, uma passagem, frases que nos ficam na memória e, este livro de contos rematou de forma exemplar. E para aumentar o interesse na sua leitura, o que recomendo,o autor é português. É o primeiro livro que leio dele e tou com pedalada para ler outros que encontre. Mas acontece que este é ainda o primeiro e único do autor, não se sabendo se veio para ficar se não.

Mas até lá deixo aqui o excerto que me perturbou, a ideia que me deixou com arrepios e de cujo valor de verdade me fiz crente. O sumo está no ultimo paragrafo, mas deixo parte do contexto do conto para vos situar na ideia do autor: pelo menos assim o espero, pois o conto é demasiado longo para o dactilografar para o PC.


Ponto Final

(...)

Tento entrar no modo de hibernação mas o sono não chega, ou aliás, o sono até chega mas a minha loucura de te ter em pensamento enquanto ele te tem em corpo é enorme. E mais louco fico quando me convidas para ir contigo para um sitio ermo, viver mais isolado do mundo contigo e tu a continuares nessa tua relação que desaprovo, por que sinto ciúmes e inveja, de eu não ser a pessoa de quem dormes junta. A amizade que deixamos crescer brotou raízes firmes e senti que podias precisar de mim, e eu, sem ninguém a quem sentir dar ajudar, pensei que seria bom seres tu. E foi. Mas nessa tua necessidade de companhia, não vou poder acompanhar-te mais. O meu limite é este, este que ninguém que me conhece me recomendava transpor, limite que quem não te conhecesse não compreenderia. Eu senti que me poderia doer, que por cada noite que não te vejo a embrulhares-te na tua cama o meu coração se sobressalta, esperneai e grita desiludido com a tua escolha. Mas foi a tua escolha, não a minha. A minha escolha sempre foste tu, a minha prioridade eras tu. Alimentava uma esperança vã de que me visses como eu te via. Desafiei o meu desejo psicológico de conforto e embarquei na nau que velejavas. Não me arrependo em nada, não nego o quanto te amo e o quanto queria que também me amasses, mas o teu amor não é o mesmo que o meu e sempre o soube. E sempre tive a esperança de estar errado.
Mas não estava!
E tive que deixar sentir na carne essa dor de apaixonado não correspondido, de deputado sem votos, de Romeu sem Julieta, para finalmente ver com toda a clareza o jogo que me aproximava de ti. De ver por que mantinha a esperança nas palavras doces que me dirigias quando te sentias melhor comigo do que com ele. Quando não querias estar com mais ninguém eu andava por perto, a farejar-te como um cão que fareja o dono quando está ferido e que o tenta consolar, quando te socorria do teu estado mórbido e te reanimava para a vida com gestos simples, coisas banais que tu eliminavas, trabalhar, comer, vestir, tomar banho e só dormias... e dormias... e nada dizias... e eu ali, a olhar para ti... a olhar por ti... na expectativa... e percebia.
Não posso mais... Não posso mais arrastar-me no oceano da tua indecisão por que a pessoa com quem te dás tem tanto medo de enfrentar a vida de frente como tu, tem medo de seguir os seus sonhos como tu, e parece tão incapaz, como tu. Chega... Não quero mais isso para mim. Já te descobri o suficiente. Tenho visto, ouvido, e sentido o suficiente para me descobrir a mim mesmo e o que não quero é continuar nesta farsa asquerosa que guardo nesta caixa de pandora a que chamam de coração. Tentei mostrar-te como o sexo não é importante para mim e, não é. Mas faz doer imenso quando se ama alguém. Desta forma de pensar não me posso libertar eu e, dói-me. E tu bem o viste e, descordas-te. Pois para ti se não há sexo não há relação... mas que merda de pensamento é esse?? Serei demasiado burro para a ver?? Para que quero eu o sexo sem o resto? Para isso vou ali para a casa de banho com uma revista debaixo do braço, ou um filme no portátil. Queixas-te e aceitas esse teu descontentamento? Talvez não sejamos tão diferentes quanto isso. Ou fui eu que me tornei mais como tu? Quem sabe...

O amante quer ser como a pessoa amada, quer ser a amada para amar o corpo que é dele. É isso que quero, amar-me a mim mesmo através de outro corpo, que não aquele que tenho, amar-me através do corpo de outra pessoa, quero ser o teu corpo quando me estás a amar. Quero sentir-te a amar o meu corpo e a minha pessoa, pois amar-me a mim mesmo é como o meu olho esquerdo a tentar dizer ao meu olho esquerdo para ver de que cor é que ele é... não consegue! E o único momento em que essa ilusão é possível é frente a um espelho. E como eu uso um espelho para o meu olho esquerdo ver qual a cor que ele tem, também eu te queria usar como ilusão da realidade, como espelho, para me mostrares através do teu corpo e amor por mim o quanto eu próprio me posso amar noutro corpo que não o meu. E será nessa busca por amor próprio que nos lançamos numa relação? Sexo ou masturbação? Onde está a diferença? Queremos ter um orgasmo com outra pessoa quando o podemos ter sem ela? E ao proporcionar à outra pessoa a mesma sensação vamos retribuir com a mesma ilusão de espelho que ela se convenceu que precisa? É isto a que chamamos de amor?

"Estórias de Amar" pag. 166, António Manuel de Brito.

domingo, novembro 02, 2008

Conhece-te a Ti Mesmo - por Krishnamurti

A tradução é minha, mas as palavras foram dele: Jiddu Krishnamurti. Agradeço a revisão do texto á Isabel, que me motivou a concluir a minha primeira tradução do K para o português.

Por J. Krishnamurti, tal como impresso na revista The Herald of Star no número de Maio de 1925.

Penso que não existe tema mais interessante ou mais prometedor, ou de forma alguma mais excitante, do que o estudo de nós mesmos. Aos 15 ou 16 anos, estamos submersos em nós mesmos. Não há nada que nos interesse tanto. Depois apaixonamo-nos por alguém; mas ainda assim estamos extasiados com nós próprios. Há, descobrimos, muito mais inteligência no estudo de nós mesmos, e muito pouco pensamento dedicado aos outros. E de bom grado damos a uma quiromante 15 rupias para ela nos contar tudo sobre nós. E sentimo-nos bastante confortáveis com o pensamento de que iremos ser grandes um dia – sem, aparentemente, ter que lutar por essa grandeza. Existe apenas um tema que nos atrai e esse somos nós mesmos. Discutimo-nos, e de uma forma aprobatória consideramos como nos comportar, de que modo desenvolvermo-nos, e por aí em diante.

Parece-me que se pensarmos inteiramente deste ponto de vista, deste ponto que unicamente nos interessa a nós, não entenderemos porque é que existimos, ou porque qualquer coisa neste mundo, de todo, existe. Claro que é verdade que primeiro temos de nos compreender a nós mesmos antes de querer descobrir seja o que for sobre a vida em geral. Filosofia, religião e outros temas não possuem real valor, real controlo sobre um indivíduo, ou apenas têm uma pequena influência, quando somente apontam como podemos escapar a certas coisas, como evitar o mal, e por ai fora. Mas aqueles de nós que são membros da Star, ou pertencem a tais organizações, deverão ter a ideia de um plano definido que está a desenvolver-se.

Estamos em posição de examinar as coisas que nos são mais valiosas – coisas que produzem em nós o desejo de evoluir. Em todos nós existe o desejo de descobrir por nós mesmos até onde podemos compreender quem somos e o que nos afecta. A pessoa comum está de longe mais interessada nela mesma do que em qualquer outra. Luxúria, conforto, felicidade, tudo tem que apoiar os seus fins. Quando tudo foi feito para a satisfazer então somente pensa nos outros. Quando eu tiver comido e dormido o suficiente, voltar-me-ei para pensar nos outros. Esta é a visão comum. Se tiveste amor em abundância, ou felicidade, és levado a pensar no outro.

Mas para alcançar essa felicidade, devemos descobrir até onde nos encaixamos num plano definido. Devemos estar cientes de que há um plano em que cada um de nós tem um papel a representar, e devemos possuir a determinação na qual agiremos, com a qual deveremos criar o ambiente no qual caberemos – ou não; e se estivermos dispostos a procurar com a atitude correcta deveremos ser capazes de descobrir até onde nos encaixaremos nesse plano. Para mim, posso imaginar que os deuses eleitos disseram que Krishna deverá encaixar-se num certo plano estabelecido, e que o quer que seja que ele faça, não terá valor, e enquanto encaixar nesse plano, Krishna crescerá e será feliz. Eu estava interessado e observava-me a mim mesmo, e podia ver de ano para ano uma mudança definida, uma orientação definida, uma transformação definida e podia ver qual era o meu definido papel. E assim cada um de nós deverá descobrir que caminho percorrer e qual a especialidade a ter.

Acontece frequentemente que a maioria de nós está disposta a subir até ao altar e verter a nossa devoção. A devoção existe, em diversos graus, na maioria de nós, mas não pode nem deve satisfazer-nos. Se eu fosse ter com a Dr.ª Besant e lhe disesse: “Estou disposto a servi-la em qualquer das minhas capacidades. Estou disposto a sacrificar tudo e o meu único desejo é trabalhar para obter conforto, independência, e por aí fora,” ela diria, “Oh, muito bem; que capacidades trazes contigo. De que modo queres prestar serviço ao Mestre?” A devoção deve ter um escape na actividade física; e desta forma se tivermos de determinar qual o papel que cada um de nós tem de representar, antes de nos oferecermos, devemos descobrir quais as capacidades que temos. Quando para um Teósofo ou um membro da Star ou qualquer outro, o chamamento aparece como “sacrifica tudo e vem ao Mestre,” não é suficiente pedir ao Mestre que aceite somente a nossa devoção; devemos dar-lhe qualquer coisa que lhe permita guiar-nos. Por outras palavras, devemos trazer perante o Mestre certas capacidades e não aparecer apenas de mãos vazias. Se eu puder chegar junto do Mestre e dizer “Eu posso fazer isto ou aquilo, eu posso escrever ou pintar ou compor música ou representar,” Ele dirá: “Muito bem, esse é o teu caminho. Vai e procura, descobre quais são os teus talentos, e logo que os encontres, saberás como sofrer e servir.” Pois existem muito poucos que realmente conseguem dizer, “Eu posso fazer isto; ao longo desta linha reside o meu sacrifício ao serviço do Mestre.” Consideramos que nos sacrificámos quando terminamos sem algo do qual podemos facilmente abrir mão.

Se eu tivesse imaginado algo em particular que o Mestre quisesse realizado, eu tratá-lo-ia de outro modo. E se eu precisasse de riquezas, tê-las-ia acumulado, não para mim, mas para o Mestre, e ao acumula-las, saberia que tinha que me sacrificar, e tinha que suportar enormes sofrimentos e mal-entendidos. Mas é a atitude que conta. Estamos com medo de que as nossas capacidades não nos guiem pelo caminho que nos foi preparado. Assim temos que descobrir antes de servir realmente, de que maneira cada um de nós pode servi-Lo, de que modo podemos oferecer o nosso sacrifício, e ao descobrir qual o nosso caminho deveremos descobrir a qual tipo pertencemos, se ao tipo que vai para o mundo e se desenvolve no mundo, por assim dizer, ou é deixado numa estufa e evolui, como uma planta, igualmente cheio de força. Há pessoas que trabalham no mundo por vários anos, que trabalham e fazem de tudo sem descobrir qual o propósito da vida. Descobrem o seu propósito por acaso, mas acumularam tanto do que o mundo tem para dar que ao entrarem em contacto com as realidades espirituais abrem mão de tudo o que adquiriram, enquanto aqueles que cresceram numa estufa separados do mundo alcançam o objectivo por outro caminho.

Portanto tal não tem importância desde que tenhamos aprendido o que ambas as guerras de identidade podem oferecer, e não até então estarão aptos a servir o mundo. Imaginem apenas uma pessoa que é criada, diga-se, num templo onde é reprimida, onde desenvolve complexos. Assim que essa pessoa sai lá para fora para o mundo, tem a melhor das diversões; e é o mesmo com a pessoa que trabalha cá fora no mundo. Não podemos evoluir ao longo de uma linha definida. Devemos evoluir em todas as direcções e até lá não ajudamos e só atrapalharemos.

Tal como eu conheço o meu próprio caminho, também cada um de nós deverá descobrir o seu caminho e até essa descoberta ser feita não devemos estar prontos ou aptos para servir o Mestre. Aqueles de nós que têm imaginação, que em certo grau têm a capacidade de tomar uma visão impessoal da vida, podem descobrir isto. Mas a maioria de nós não têm o desejo de servir, nem o desejo de alcançar o seu caminho ou objectivo.

O nosso problema é que tal como no mundo exterior, temos os nossos direitos adquiridos. E desde que exista o elemento de egoísmo, não descobriremos o caminho. Cada um de nós quer que o Mestre desça até si; mas o que não aprendemos foi que, mesmo como imaginamos, se Ele descesse das nuvens, seríamos incapazes de O servir, porque não nos equipámos para Lhe prestar serviço.

Devemos descobrir de que maneira podemos servir, e isso implica a completa violação de nós mesmos, das nossas relações, etc. Não é que não tenhamos o desejo, nem a nostalgia que as grandes pessoas têm; mas em nós não é constante. Não existe aquela pressão contínua que nos mantêm a andar, a andar, a andar. Significa verdadeiro sacrifício, significa subjugar-nos em tudo e não deixar o ego (a personalidade, o eu) ficar-se por cima. Então deixaremos de distorcer as coisas para que se encaixem nos nossos preconceitos, mas compreendê-las-emos de um modo total; por outras palavras, tornam-se realmente simples.

Devemos ter a coragem e determinação para desistir; e quando subimos e atingimos uma certa distância, descobrimos o quanto de tolos somos ao lutar pelo que é tão trivial, tão simples. Existem tantos temas com os quais lutamos de uma forma tão complicada; mas se nós apenas nos deixássemos expandir um pouco, todos estes temas se tornavam simples, todas as complicações desapareceriam. Mas requer que nos observemos constantemente, que estejamos atentos para ver se estamos a fazer a coisa certa ou a coisa errada.

Cada um de nós sabe destas coisas de fio a pavio, e mesmo assim se o Mestre chegasse e perguntasse o que cada um de nós soube fazer, de que modo agimos na sua ausência, de que modo cumprimos o nosso papel, quais seriam as nossas respostas? É surpreendente como não conseguimos mudar, como devíamos, tal e qual uma flor. A nossa crença embora forte, não é a crença de um homem que age com uma determinação fixa. Essas são, no entanto, as pessoas que o Mestre quer ao Seu serviço, e não somente aquelas que são apenas devotas, sem que essa devoção as conduza à acção. Se nós conseguirmos pôr de lado a nossa própria evolução, e trabalhar e esquecermo-nos de nós mesmos no trabalho, então seremos verdadeiramente servis e aproximar-nos-emos do Mestre. Pode ser que eu seja jovem, que eu não tenha sofrido como os mais velhos já sofreram, mas se o sofrimento pode desalentar o entusiasmo então mais vale não tê-lo. Mas o que foi que nos ensinou o sofrimento?

Como disse no início, não existe nada tão absorvente como o estudo de nós mesmos. Esse é o único assunto sobre o qual vale a pena pensar; porque significa mudança. Não existe ninguém para forçar os mais velhos, e portanto ficam cristalizados. O que interessa é descobrir o que podemos fazer e até onde nos podemos sacrificar; quanta é a nossa força e quais as nossas capacidades. Quando vemos pessoas numa atitude de reverência, penso frequentemente no que terão feito por via do sacrifício.

Nos anos que estão para vir, ou temos que nos adaptar rapidamente à corrente em mudança, ou sair completamente dela. Quando definitivamente agarrarmos um vislumbre do Plano, por mais passageiro que seja, e sabendo que devemos continuar, simplesmente continuaremos, porque é muito mais divertido do que somente marcar o tempo. O que interessa é termos de fazer qualquer coisa para mudar. A velhice não significa que não podemos mudar. Por outro lado, é mais fácil para os mais velhos, porque eles já tiveram a experiência, e o sofrimento; no entanto continuam do mesmo velho modo de perpétua negligência. Se querem ganhar dinheiro, vão e ganhem milhões, e dêem-nos ao Mestre, e podem fazê-lo se tiverem a atitude correcta. E é o mesmo com tudo o resto que queiram fazer – escrever á maquina, estenografar ou qualquer outra coisa que desejem que seja o vosso serviço para o Mestre. A atitude é o que conta e quando chegarem lá todo o resto se seguirá.


Jiddu Krishnamurti